‘Ativismo judicial’ atropela reforma trabalhista e gera custos bilionários a empresas, aponta estudo

Decisões do Judiciário vêm mexendo significativamente na rotina das empresas e aumentado os custos de se investir no Brasil, conforme estudo coordenado pelo sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. Em alguns casos, o impacto econômico de um conjunto de ações sobre o mesmo tema supera R$ 1 bilhão. Segundo o levantamento, o chamado “ativismo judicial” na área trabalhista afasta investimentos, compromete o crescimento econômico do Brasil e pode provocar desemprego.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, explorou casos reais em que os autores identificaram ativismo judicial – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização, horas extras e prevalência do negociado sobre o legislado.

Os especialistas não revelam os nomes das empresas e dos empregados envolvidos, mas apontam uma tendência que pode neutralizar os efeitos da reforma trabalhista aprovada em 2017. O total de processos na Justiça do Trabalho atingiu R$ 5,4 milhões no ano passado. O número havia diminuído após a aprovação da medida, mas voltou a crescer em decorrência das decisões.

Procurados, a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego não se manifestaram. “Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz José Pastore ao Estadão. Leia a entrevista completa.

Um dos casos reais cita que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu pela ilegalidade da terceirização do empregado de um banco entendendo que ele exercia atividades típicas de uma instituição financeira, enquanto a empresa alegava que o trabalhador atuava apenas na triagem e contagem de documentos, e não no atendimento ao público, venda de produtos canários ou autenticação de documentos nos caixas.

Mesmo que a reforma trabalhista tenha legalizado a terceirização para qualquer atividade, seja o trabalho direto de uma empresa (no caso do banco, um caixa) ou uma atividade-meio (segurança ou trabalhador da limpeza), magistrados têm anulado a contratação de serviços e imposto multa milionária para os empregadores.

“É verdade que, além das raízes paternalistas, ideológicas e psicológicas, o ativismo judicial decorre também da má qualidade de muitas leis e do próprio zigue-zague das decisões judiciais das cortes superiores que acabam pautando a orientação dos tribunais inferiores”, diz o estudo, que é assinado por Pastore e mais oito especialistas. “Entretanto, nada justifica as interpretações voluntaristas quando as leis são claras”, afirma o texto, citando as leis da terceirização e reforma trabalhista.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu recentemente uma revisão do entendimento sobre a terceirização pelo Judiciário. “Acho que nós tínhamos que revisitar o tema, não para rever a jurisprudência, mas para delimitar até onde ela vai, porque hoje nós vamos virar uma nação de pejotizados”, afirmou Dino durante o julgamento de um recurso da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo entre uma empresa de produção audiovisual e um assistente de iluminação.

Só no caso da terceirização, levantamento dos especialistas com dados da plataforma Datalawyer indicaram a existência de 40.209 processos com custo total de R$ 7,23 bilhões para as empresas entre janeiro de 2019 e julho de 2024. Considerando que 20% dessas ações sejam julgadas procedentes, um índice considerado conservador pelos analistas, o impacto para os negócios será superior a R$ 1,4 bilhão e muitos deles ficarão inviabilizados.

Empregado com duas BWM e uma Harley-Davidson ganha direito de não pagar custos de processo judicial

Os autores do estudo apontam motivações ideológicas e paternalistas nas decisões. “A insegurança jurídica é um resultado do ativismo judicial que busca, entre outros objetivos, preencher lacunas e/ou moldar o ordenamento jurídico para atender às necessidades sociais dos que mais sofrem”, diz o documento.

“Entretanto, isso é feito de forma custosa e prejudicial para as atividades econômicas e para o próprio Erário. Em última análise, a referida busca pelos fins sociais deixa de lado a finalidade econômica das empresas, requisito fundamental para impulsionar investimentos e gerar empregos.”

O direito de uma pessoa entrar na Justiça sem pagar os custos do processo assinando uma mera declaração, sem comprovação da renda, provocou uma explosão de ações após a reforma trabalhista ter diminuído a judicialização, segundo o estudo. Em 2018, o número de processos distribuídos na primeira instância da Justiça do Trabalho caiu 31% (de 2,3 milhões para 1,6 milhão, em números aproximados) em relação ao ano anterior, quando houve aprovação da reforma trabalhista, enquanto que, entre 2022 e 2023, o volume aumentou 17% (de 1,5 milhão para 1,7 milhão).

Esse tipo de benefício é resultado de uma decisão do STF de outubro de 2022 e da interpretação que o Tribunal Superior do Trabalho deu à chamada justiça gratuita. Um empregado em um caso real ganhou o benefício mesmo possuindo dois veículos BMW avaliados em R$ 800 mil cada e uma motocicleta Harley-Davidson que custa aproximadamente R$ 240 mil. Em outro processo, uma pessoa que declarou ter um salário de R$ 30 mil mensais ganhou a justiça gratuita ao assinar uma simples declaração dizendo que não possuía condições de pagar os custos.

Os especialistas ressaltam que a mera declaração contraria a comprovação de falta de recursos exigida pela reforma trabalhista. A situação não provoca prejuízos apenas para as empresas, mas também para o próprio governo, que deixa de arrecadar, pois 76% das ações são pagas pelos cofres públicos.

O levantamento identificou 636.583 processos transitados em julgado em que houve o pedido de gratuidade entre 2019 e 2024. Do total, os juízes concederam o benefício a 486 mil ações, na maioria, com base em mera autodeclaração da parte, com um custo total estimado de R$ 56,6 bilhões. A estimativa é que o poder público deixe de arrecadar R$ 1,1 bilhão nesse montante. “Isso mostra que não há concessão sem custo. E, no caso, o custo para o erário é muito alto”, diz o estudo.

Fonte: Blog do Roberto Araripina

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